Tuesday, June 12, 2007

Revisão do artigo relativo ao Movimento de Acção Nacional

Em Junho de 1985 um grupo de jovens residentes na zona da Amadora regista no cartório a Associação Cultural Acção Nacional. Este colectivo tinha como missão a defesa dos valores nacionais, étnicos, culturais, éticos e espirituais, e as formas de concretizar estes objectivos passavam pela edição de um jornal e de livros. Eram estes os objectivos primários da Associação Cultural Acção Nacional. Os seus fundadores foram Vítor Santos, Manuel Andrade, Alexandre Freire, Paulo Sequeira e José Luís Paulo Henriques, que rapidamente se veio a tornar no líder do grupo, cabendo-lhe também a ideia original de fundar a associação. Este grupo de jovens tinha em comum o facto de pertencerem à classe-média baixa, estarem descontentes com o sistema político vigente na época, que consideravam corrupto, e de simpatizarem com ideais conservadores e nacionalistas. O tempo foi passando, e as posições no seio da associação foram-se consolidando, passando José Luís Paulo Henriques a liderar o colectivo, ao mesmo tempo que alguns dos seus fundadores se iam afastando das suas actividades. Este último, também conhecido por “Zé Gato” (alcunha ganha pelas semelhanças futebolísticas que tinha com o antigo guarda-redes benfiquista), não era propriamente um novato em matéria de actividade política, aos 16 anos já liderava a associação de estudantes do Liceu da Amadora e em 1983 já se encontrava à frente da secção que a Juventude Centrista (JC), a organizaçao juvenil do CDS, tinha nesta cidade dos arredores de Lisboa. No entanto, a militância na democracia-cristã não terá sido suficiente para José Luís Paulo Henriques, que se caracterizava por um aguerrido anti-comunismo e por um saudosismo do Estado Novo salazarista, o que o levou a abandonar a presidência da JC da Amadora. Entretanto, a associação passa a designar-se por Movimento de Acção Nacional (MAN), e começa a dar os primeiros sinais de dinamismo. Em 1986 é editado o primeiro orgão de informação do MAN, o jornal Acção, alguns cartazes começam a surgir nas paredes da zona, e os pedidos de adesão e informação começam a chegar em catadupa à sede do movimento, também situada na Amadora. Naquele que foi o seu primeiro jornal podia-se ler que o MAN caracteriza-se por uma Terceira Atitude, que se coloca em oposição ao Capitalismo e Socialismo, sendo o seu lema, explicíto nos cartazes que povoavam as paredes, Nem Capitalismo! Nem Comunismo! Terceira Via! Por Portugal!. Esta atitude de inconformismo e de rebeldia em relação ao sistema político vigente, de recusa do Comunismo que tanta agitação tinha provocado uma década antes, que provocou os saneamentos, as nacionalizações e a ocupação de terras, sendo tudo isto materializado no PREC; de desilusão em relação à Democracia Cristã defendida pelo CDS, que se encontrava numa posição cada vez mais redutora em virtude da ascenção do PSD liderado por Cavaco Silva, que por seu lado representava o Capitalismo, destruidor da identidade nacional e adverso às tradições seculares; levou a que muitos jovens aderissem ao MAN, que se apresentava como uma alternativa revolucionária (1). E terá sido esta sugestão de militância política mais agressiva que levou um grupo de jovens, por volta de 1987, oriundos da zona de Almada e que tinham em comum o gosto pela cultura “skinhead” (surgida em Inglaterra no final dos anos 60 no seio dos bairros operários, adepta da diversão regada com muito álcool e de alguma violência à mistura, por oposição ao “peace and love” da cultura “hippie”, e caracterizada por um vestuário e gostos musicais comuns) a aderir ao movimento. Este grupo de “skinheads” da Margem Sul era liderado por Fernando Pimenta, e começam a incutir um novo espírito no MAN, que passa a adoptar a cruz celta como símbolo, e que se materializa na edição do Combate Branco, publicação dirigida aos militantes mais radicais. A influência do movimento chega ao Norte do país, onde começam a surgir os primeiros militantes, nomeadamente no Porto e em Braga, e onde surge a primeira publicação, intitulada Vento do Norte. Mas ao mesmo tempo que o MAN aumentava a sua influência, também os problemas começavam a surgir em quantidade razoável. A adesão dos “skinheads” veio-se a tornar fatal para o movimento, que começou a ser visto pela sociedade portuguesa como um grupo de “cabeças-rapadas” racistas e violentos. A comunicação social começa a reportar alguns episódios de turbulência na noite lisboeta, nomeadamente no Bairro Alto (2), confrontos com outros grupos de jovens e agressões a indivíduos de origem africana começam a ser habituais, começam a surgir os primeiros símbolos de extrema-direita nos estádios de futebol, frases como Se vires um preto mata-o, Poder Branco ou Portugal aos Portugueses começam a aparecer escritas nas paredes de Lisboa, até que chegamos a 1989, ano que se vem a revelar decisivo na história do MAN, e onde se produzem alguns episódios marcantes, não só pela violência que envolveram, mas também pelo impacto que tiveram. Em Maio deste ano o actor João Grosso é agredido por um grupo de sete “skinheads” em Lisboa, tendo perdido um testículo em resultado das agressões, sendo de referir que João Grosso foi agredido por tentar socorrer um jovem que estava a ser espancado pelo mesmo grupo, e a 28 de Outubro José Carvalho, militante do Partido Socialista Revolucionário, um pequeno partido de orientação trotskista, é esfaqueado mesmo à porta da sede do PSR, na Rua da Palma em Lisboa, vindo a falecer. Tudo terá acontecido quando um grupo de “skinheads” oriundo da Margem Sul forçou a entrada na sede do partido, onde estava a decorrer um concerto inserido numa campanha anti-militarista promovida pelo PSR, os militantes trotskistas tentaram impedir a entrada do grupo, e no meio da confusão e das agressões José Carvalho cai no chão vítima dum golpe fatal na zona do coração. A Polícia Judiciária faz algumas detenções, enquanto que algumas vozes defendem que o crime teve motivações políticas. Pouco tempo depois do assassinato de José Carvalho, a 19 de Novembro, no Porto, um grupo de “skinheads” agride dois cidadãos espanhóis no centro comercial Brasília e espanca Francisco Faustino, indivíduo de nacionalidade angolana, sendo abandonado pelo mesmo grupo, inconsciente, na linha férrea. O MAN começa a ficar com a marca das agressões dos “skins” (3). Já a terminar este ano, talvez o mais atribulado da história do movimento, realiza-se um jantar no Porto a 1 de Dezembro, com o objectivo de aproximar a estrutura dirigente do movimento, que estava estabelecida em Lisboa, dos militantes nortenhos. No entanto, o repasto acaba em confrontos entre os dois grupos, o que simbolizava, de certa forma, a fragilidade e as contradições das bases militantes do MAN (4).

1 – Cf. Jornal Semanário, edição de 18 de Setembro de 1993;

2 – Cf. Jornal Tal & Qual, edição de 21 de Julho de 1989;

3 – Cf. A Extrema-Direita em Portugal, ed. SOS Racismo, 1998;

4 – Cf. VEGAR, José – “Áreas Especialmente Sensíveis” in Serviços Secretos Portugueses – História e Poder da espionagem nacional, ed. A Esfera dos Livros, 2007.

O surgimento da imprensa desportiva em Portugal

Com o advento do fenómeno desportivo em Portugal, alguns dos seus integrantes começaram a sentir necessidade de divulgarem as suas modalidades de eleição e as actividades dos clubes que integravam. E desta forma começaram a surgir jornais que funcionavam como orgão oficiais de determinados clubes. O primeiro a surgir foi O Velocipedista, jornal oficial do Club Velocipedista do Porto, de periodicidade quinzenal e cujo primeiro número saiu a 1 de Março de 1893. O proprietário era F. Lopes & Pimenta, o redactor principal Vidal Oudinot e a redacção estava situada na Rua de D. Pedro, nº 184, na cidade do Porto. Ou seja, podemos considerar que a imprensa desportiva portuguesa nasceu na “cidade invicta. O jornal foi editado durante praticamente dois anos, saindo o último número a 15 de Fevereiro de 1895. Em destaque o editorial da primeira edição, histórica no universo da imprensa desportiva portuguesa:

Avante sim!
O nosso espirito é morto, morto para as luctas e para a vida. É urgentissimo, é necessário que elle se avigore, que se revolte.
Um espirito novo de revoltado é como uma granada que rebenta no campo inimigo. É um clarim que vibra n´um grande descampado, onde um exercito de sibaritas ficasse dormindo, tranquilo, voluptuosamente e que elle, com a sua nota viva, irrequieta, estridula, viesse acordar aquelles espiritos mortos, aniquillados pela inacção.
E não haverá meios em que o espirito e o corpo possam sahir d`esse amollecimento desmoralisador e doente? Há-os e muitos.
A velocipedia, a gymnastica, a natação, etc., tudo isso são uns meios bons para o desenvolvimento physico da nossa organisação estiolada.
De entre tantos que se me affiguram verdadeiramente notaveis, eu ponho em primeiro lugar a velocipedia, pois que, acho-lhe dois motivos poderosissimos: o ser util e o ser agradavel.
A velocipedia em estes ultimos tempos tem-se generalisado espantosamente.
É pena que ainda o nosso meio burguez olhe para a bicycletta como um instrumento mau e desmoralisador. Mas isto são os espiritos velhos, felizmente, e estes mesmos, em breve se irão habituando a olhal-a mais complacentemente, em vista dos beneficios que d´ella advem.
Como exercicio muscular é superiormente notável: musculos das pernas, braços e peito desenvolvem-se espantosamente.
Como applicação medica ao corpo enfermo as curas são immensas e notaveis.
A paralisia parcial, rheumatismo, rachitismo, etc., têm tido tirado do exercicio velocipedico resultados maravilhosos!
Mas para que tudo isto se saiba, se vulgarise, é necessário recorrer à imprensa. É por isso que se fundou o “Velocipedista”.
Apresentamo-nos, pois, perfeitamente organisados, perfeitamente disciplinados, sem a menor ideia de ostentação, mas tambem sem tolas modestias que nos espiritos novos tão mal cabem, convictos do que valemos na empreza a que nos abalançamos.
Seguiremos passo a passo o progresso da velocipedia, demonstrando a pouco e pouco o alto papel que este meio de locomução virá a representar no futuro e mais para diante abriremos secções novas que, pela sua novidade, serão um “clou” palpitante, um verdadeiro acontecimento em o nosso pequeno meio velocipedico.
Contamos já com valiosissimas adhesões que de toda a parte nos chegam.
Essas adhesões e esses incitamentos são já o prenuncio d´uma era esplendorosa, que não vem longe, para a velocipedia em Portugal.
Avante, pois.

Logo no ano seguinte um grupo de associdados do Real Ginásio Clube Português resolve editar um jornal que servisse os interesses do clube e do desporto em geral. Desta forma é fundado o jornal O Sport, cujo primeiro número sai a 22 de Janeiro de 1894. Tinha como director Carlos Xafredo (o tradutor das regras do futebol para a língua portuguesa) e como editor Henrique Pinto do Amaral. Era um jornal que abrangia várias modalidades, conforme se pode comprovar no seu primeiro número, onde são publicados vários artigos dedicados a desportos como a equitação, a caça, a esgrima, a ginástica, o ciclismo, o futebol e os desportos náuticos. Teve uma vida breve, não tendo ultrapassado os quatro números. Apresentamos o editorial da primeira edição:

É com o maior jubilo que apresentamos á conscenciosa apreciação do publico o primeiro numero d´esta publicação, cuja ideia fôra há muito concebida, preoccupando o espirito de alguns enthusiastas pelo “sport”, mas que por uma serie de circumstancias não tinha tido até hoje realisação pratica.
Sem pretenções, como tambem com todo o desassombro e imparcialidade é somente a nossa mira, pôr ao facto do que se passa no mundo do “sport” os nossos amigos e leitores. Comprehendemos quão arriscada e trabalhosa é a tarefa a que nos vamos abalançar; esperamos porém, o vosso bom acolhimento, tanto mais, que é infelizmente tão mingoado no nosso paiz, o numero dos que já comprehendem as vantagens do exercicio physico.
O que mais nos anima a prosseguir, é o ter a consciencia plena, de não nos mover o espirito da ganancia estando animados do mais amplo desinteresse, e visando só, em augmentar o numero dos adeptos pelo desenvolvimento physico, que tão desprezado tem sido no nosso paiz, destoando assim tanto de todos os outros.
Não nos limitaremos somente a tratar dos exercicios ao ar livre, que, bem sabemos não podem ser usados por todos, mas sim trataremos conjunctamente da gymnastica, esgrima, nauticam velocipedia, caça, etc., para o que contamos com a coadjuvação dos nossos amigos.
Como homenagem a todos os individuos que por qualquer forma se distingam em exercicios de “sport”, publicaremos em cada numero um retrato photographico, ou grupos e scenas relativas ao “sport”.
Pedindo de novo a benevolencia do publico, concluiremos por offerecer a todos os “sportsmen” as colunnas do nosso jornal para os assumptos que elle se propõe tratar.

Estava dado o mote para o estabelecimento da imprensa desportiva em Portugal. Logo no ano seguinte, 1895, a Associação dos Atiradores Civis Portugueses (fundada a 16 de Novembro de 1893) resolve editar o seu orgão de informação oficial, intitulado O Tiro Civil, publicação de cariz semanal, cujo primeiro número foi editado a 7 de Março deste ano, e que durou até 1903. Tinha a redacção estabelecida no 1º andar da Rua de São Paulo, nº 216, em Lisboa, e tinha como editor Manuel Augusto Pinto. Destacamos um pequeno excerto do editorial da primeira edição do Tiro Civil:

...somos absoluta e completamente dedicados ao fim especial de darmos noticias e informações, que digam respeito ao tiro, á esgrima, á gymnastica, á caça, conservando-nos estranhos a toda e qualquer politica...

A 22 de Novembro 1896 é publicado em Lisboa o primeiro número do jornal O Velo-Sport, dedicado à divulgação do ciclismo, cujos proprietários eram Ignacio Lima e Carlos Portella, o editor dava pelo nome de Paulo da Fonseca e a redacção ficava situada na Rua do Arco do Bandeira, nº 211. Em destaque o editorial do seu primeiro número:

Ao apresentarmos á luz da publicidade este semanario, sentimo-nos possuidos d´uma profunda incerteza muitissimo justificada, em vista do mau sucesso que tiveram todos os jornaes que nos antecederam, tratando do mesmo assumpto.
É profundamente lamentavel que tendo o sport em geral, e a velocipedia em particular, tomado em Portugal um grande incremento n´estes ultimos tempos, não tenhamos um único jornal que se possa enviar para o estrangeiro, afim de que lá fora se possa ajuizar do estado de adeantamento em que o sport se encontra entre nós, tomando assim o logar que de direito nos pertence.
Indubitavelmente, existem no nosso meio distinctos sportmen, que podem competir com os estrangeiros, e ainda ultimamente o arrojado recordo Madrid-Lisboa, que tanta admiração causou, foi, apesar dos naturaes contratempos, um dos mais brilhantes de que temos memoria.
Appellamos, pois, para todos os cyclistas pedindo-lhes o seu valioso auxilio, tanto material como intellectual, e immenso será o nosso regosijo, se, compenetrando-se dos seus deveres, se levantassem do estado de apathia em que jazem.


A 14 de Janeiro de 1897, em resultado duma cisão ocorrida no jornal atrás citado, surge também em Lisboa o Sport Velo. A sua redacção ficava no Largo do Poço do Borratem, nº 13, o proprietário era J. da Costa Braga e o editor Paulo da Fonseca, que seria um dos dissidentes do Velo-Sport. O editorial do primeiro número, assinado pelo seu proprietário, J. da Costa Braga:

Este periodico não é novo.
A ardente dedicação com que temos trabalhado até aqui por animar o gosto pela velocipedia, patenteando e exaltando, algures, todo o esplendor do nosso bello “sport”, não pode ser-lhe contada como vida, propriamente, mas é, sem duvida, uma preexistencia que, conhecida ella, por si só basta para accentuar o caracter do recemnascido, e garantir a legitimidade dos nossos desejos.
Não queremos o nosso credito por mãos alheias, é o que affirmamos; e a corrente de sympathia, com que fomos acolhidos pelo “cycling” na nossa estreia, impõe-nos o dever de manifestarmos ao sport “Velo” que nem somos ingrato nem abandonaremos o nosso posto, desapparecendo como viemos.
Mantermo-nos pois devotadamente na derrota de propaganda, e na mais attrahente exposição, não só das novidades palpitantes que haja entre nós e no estrangeiro, mas tambem dos assumptos variados de que se pode tratar sobre o “Velo”, é o fim que procuraremos conseguir com geral agrado, acompanhando enthusiasticamente o progressivo desenvolvimento da nossa adorada velocipedia, e concorrendo para elle com quanto em nossas forças caiba.
Boa vontade não nos falta, já o provámos; fica tambem ao vosso dispôr o elemento principal de vida para os periodicos d´esta natureza – a typographia – o vosso auxilio, cyclistas, obterá d´esta fórma com segurança um resultado brilhante, e estamos certos que a rapida evolução d´este semanario poderá em breve reflectir nitidamente o incremento, avultado já, que entre nós tem tomado o cyclismo, trazendo ao nosso bando, mesmo no proximo verão, grosso numero de “propagadores pelo facto”.

Aos individuos, que aproveitando-se do nosso desinteressado trabalho pretendem ainda enxovalhar-nos com um desmentido torpe e porcamente sophismado, respondemos da seguinte forma:
Protestando contra o indigno desmentido dos proprietarios do “Velo Sport” empraso-os a que apresentem no seu periodico, visto eu ter sido “simples” collaborador, quaes eram os redactores, o principal d`entre elles, e tambem quaes os trechos que lhe pertencem.
Confrontando: a nota dos meus originaes assignados, não assignados, e das noticias por mim redigidas, como o farei no “Sport-Velo”.


Para terminar esta enumeração, destacamos também a publicação em Lisboa a 12 de Fevereiro de 1897 do primeiro número do jornal O Sport (não confundir com a publicação afecta ao Real Ginásio Clube Português), dedicado também à divulgação de vários desportos, com a redacção fixa na Rua do Crucifixo, tendo como responsável editorial Arthur dos Santos e como gerente Carlos Vieira d´Almeida.
Contudo, não se pense que o desporto só começou a figurar nas páginas dos jornais portugueses com o surgimento destes títulos enunciados. Jornais como o Diário Ilustrado ou o Jornal do Comércio também noticiaram os principais acontecimentos ocorridos no jovem mundo do desporto português de oitocentos. Por uma questão de cariz histórico, destacamos a notícia daquele que terá sido o primeiro jogo de futebol disputado em Lisboa a 22 de Janeiro de 1889 entre duas equipas, uma de portugueses e a outra com ingleses. A notícia vinha na edição de 23 de Janeiro de 1889 do Jornal do Comércio:

Uma quantidade enorme de pessoas foi hoje ao Campo Pequeno assistir ao desafio entre inglezes e portuguezes, ao” foot ball”. Grande número de carruagens com elegantes senhoras.
O resultado do jogo foi muito lisongeiro para os nossos compatriotas, que conseguiram ganhar a primeira partida, ficando a segunda empatada. Não faltaram os trambulhões e rebolões próprios do jogo, mostrando todos os fortes mancebos que n`elle tomaram parte quão exímios são no “manejo” do pontapé, como disse uma “elegante” que, por casualidade, ficou ao pé de nós.
O dia estava esplendido, mas um poyco ventoso. Quasi toda a gente foi, portanto, findo o “foot ball”, passear no Jardim Zoológico, onde se exhibia, de novo, a persa Mirra, uma rapariga muito gorda, com uma trunfa enorme, compridas barbas e o rosto completamente coberto de pello escuro.
A concorrencia no Jardim era enorme, como poucas vezes alli se vê. Todas as ruas cheias de gente. O buffete foi tomado de assalto, e às duas e meia já não havia sandwiches, sendo preciso que o proprietario mandasse a correr, à baixa, fazer novo fornecimento de salame, presunto, fiambre e pão de forma.Em summa, as duas diversões que hoje attrairam toda Lisboa foram o “foot ball” e o Jardim Zoológico.

Desporto em Portugal no final do século XIX - Os primeiros anos, os primeiros clubes, as primeiras vitórias

O panorama desportivo em Portugal no final do século XIX não era muito animador. A prática desportiva era algo praticamente desconhecido e inacessível para a esmagadora maioria da população, só algumas franjas da burguesia e da aristocracia eram adeptas e praticantes de desporto, e mesmo estas enfrentavam o preconceito dos seus pares sociais. Os sectores mais altos da sociedade portuguesa, conservadores e seguidores da moral e dos bons costumes, ignorantes das vantagens do exercício físico e do desenvolvimento e da implantação que o desporto estava a obter em países como a Inglaterra e a França, censuravam a minoria que insistia na prática desportiva, que procurava os espaços ao ar livre, que fugia do cinzentismo da cidade, que olhava para o desporto como um meio de convivio, para além das vantagens físicas e morais que dele poderiam advir.
O fraco desenvolvimento desportivo que sucedia em Portugal nesta época teria as suas raízes no século XVIII, quando, por motivos aparentemente inexplicáveis, os jogos e as actividades ao ar livre deixaram de fazer parte dos hábitos dos portugueses, o que provocou uma certa degeneração física e moral, conforme nos diz um clérigo deste tempo, o Padre Manuel Bernardes:

As espadas largas degeneraram em cotós, e os capacetes se trocaram em perucas; já o pente em vez de se fincar na barba ensaguentada se finca publicamente na cabeleira, alvejando com polvilhos. Cheiram os homens a mulheres; não a Marte, mas a Vénus. Quem havia de imitar o grande Albuquerque, prendendo a barba no cinto, se já não há novas de cintos; nem de barbas? Quem haveria de sair aos leões em África; se é mais gostoso estar no camarote em Lisboa, gracejando com as farsantes e atirando-lhes já com chiste, já com dobrões? Ou como se haviam adestrar em ambas as selas, andando pelas ruas bamboleando nas seges? Amoleceu-nos a infusão dos costumes estrangeiros, que veneramos, devendo aborrecê-los; e nós, que estamos no fim da terra, ficamos no meio do mar das suas depravações.

Esta degeneração física e moral prolongou-se pelas décadas seguintes, em virtude do desprezo que era dedicado à prática desportiva. Ramalho Ortigão, em 1875, dá-nos um testemunho disso mesmo, nomeadamente dos efeitos que a inactividade física tinha na juventude:

Os vossos filhos, vimo-los no liceu, no dia do primeiro exame, pálidos de concentração e de susto, imóveis, estáticos, com os olhos pasmados na espessura dos seus juízos, lembrando-se um pouco mais das orações que vós rezastes por eles, ó mães, do que das lições que vós lhes destes, ó mestres! Tinhamo-los também visto no Passeio Público, em noites de concerto, dançando ao pé do quiosque, eles fingindo-se grosseiros para se darem o chique dos velhos colegiais, elas sérias e graves, voltando o rosto por cima do ombro para contemplarem, como pequenas senhoras, a cauda hipotética dos seus vestidos. Elas e eles são pálidos, têm gengivas esbranquiçadas, os dentes baços, as pestanas longas, as pálpebras oftálmicas, os cantos da boca levemente feridos, o sorriso triste, os movimentos indecisos e fracos, o olhar quebrado. Precisam de tomar banhos frios, de comer carne ao almoço, de beber uma colher de óleo de fígado de bacalhau todos os dias, de fazer ginástica e de que se lhes corte o cabelo... E quanto à educação do espírito, sabem pouco e mal o que lhes ensinaram, não sabem quase nada o que deviam saber. Pelo que respeita ao corpo, se vêm de um bom colégio, sabe de ginástica o suficiente para fazer deles maus arlequins, mas nunca empregaram a sua força nos exercícios verdadeiramente úteis a um homem. Não estão habituados à fadiga das marchas, não sabem defender-se se os esbofetearem, não sabem nadar, desconhecem os princípios mais rudimentares da higiene... (1)

Também na literatura encontramos um testemunho ilustrativo deste sentimento de decadência física e psicológica que afectava as gerações mais jovens do Portugal oitocentista, conforme encontramos na obra Os Maias de Eça de Queiroz, editada no ano de 1888, e onde Afonso da Maia defende a adopção da tourada como desporto nacional, de forma a incutir na juventude o vigor e a coragem que a arte de lidar o toiro acarreta:

O verdadeiro patriotismo seria, em lugar de corridas, fazer uma boa tourada... Cada raça possui o seu “sport” próprio, e o nosso é o toiro: o toiro com muito sol, ar de dia santo, água fresca e foguetes. A vantagem da tourada é ser uma grande escola de força, de coragem e de destreza. Em Portugal não há instituição que tenha uma importância igual à tourada de curiosos. E acredite numa coisa: é que se nesta triste geração moderna ainda há em Lisboa uns rapazes com certo músculo, a espinha direita, e capazes de dar um bom soco, deve-se isso ao toiro e à tourada dos curiosos... Não temos o “cricket”, nem o “football”, nem o “running”, como os ingleses; não temos a ginástica como ela se faz em França; não temos o serviço obrigatório, que é o que torna o alemão sólido. Não temos nada capaz de dar a um rapaz um bocado de fibra, senão badamecos derreados da espinha a melarem-se pelo Chiado.

No entanto, e apesar da fraca tradição desportiva no Portugal oitocentista, começam a formar-se as primeiras associações ligadas à prática desportiva. Desta forma a 6 de Abril de 1856 surge a Real Associação Naval de Lisboa, no seguimento duma tradição de desportos náuticos, nomeadamente o remo e a vela, que já vinha do reinado de D. Maria II, sendo de referir que esta colectividade desportiva é actualmente a mais antiga da Península Ibérica. No entanto a prática de desportos náuticos não se limitava à capital do país, também no Mondego, ao largo da Figueira da Foz, e no Douro se organizavam regatas, e desta forma em 1876 é fundado o Clube Fluvial Portuense. A implementação dos desportos náuticos em Portugal ficou-se a dever, em grande parte, à comunidade inglesa instalada no nosso país, sendo esta realidade mais evidente na cidade do Porto.
Ainda na década de 70 é fundado em Lisboa outro clube histórico e que também perdurou até aos dias de hoje, o Real Ginásio Clube Português, fundado em 1875 e essencialmente vocacionado para os desportos acrobáticos, sendo de destacar a organização, a cargo deste clube, em 1885 do primeiro concurso nacional de ginástica, e que contou com a participação de várias associações e clubes, tais como os Bombeiros Voluntários, o Asilo Municipal, o Clube Gimnastico de Lisboa e a Casa Pia, instituição que teve também um papel importante na promoção da educação física em Portugal. Toda esta intensa actividade promovida pelo Real Ginásio Clube Português durante as últimas décadas do século XIX culminou naquela que terá sido uma das primeiras vitória internacionais do desporto português, a medalha de ouro ganha por João Possolo em 1893 numa competição de ginástica realizada em Badajoz.
Também o ciclismo teve grande adesão em Portugal nesta época, em 1891 é fundado o Real Clube Velocipédico de Portugal, logo seguido pelo Real Velo Clube do Porto, fundado pouco tempo depois. Em 1896 é inaugurado em Algés o primeiro velódromo português, solenemente baptizado “D. Carlos”, no ano seguinte é a vez da Póvoa de Varzim e do Porto inaugurarem os seus velódromos. Contudo, e no que diz respeito à “velocipedia” (termo usado na época para designar o ciclismo), é obrigatório realçar o nome de José Bento Pessoa, ciclista profissional na equipa francesa do Phoebus desde 1898, vencedor de inúmeras corridas em países como Espanha, Itália, França e Brasil, e recordista mundial dos 500 metros em pista, recorde batido em 1899 no velódromo de Chamartin, em Madrid, tornando-se desta forma no primeiro recordista mundial do desporto português (2).
Em relação à modalidade “rainha” do actual panorama desportivo português, aquela que mais paixões desperta, o futebol, é também neste período que encontramos o seu momento de fundação. A primeira vez que se terá praticado futebol em Portugal terá sido em 1875, por iniciativa do cidadão inglês Harry Hilton, que reuniu um grupo de amigos no campo da Achada, junto à localidade da Camacha na ilha da Madeira, para disputarem um “jogo da bola”, facto ainda hoje recordado por uma placa evocativa presente no local. Esta iniciativa não terá tido seguimento pois, segundo rezam as crónicas, a bola usada nesta partida terá ficado completamente desfeita. Ou seja, teremos de considerar a ilha da Madeira como o berço do futebol em Portugal, e mais uma vez a influência inglesa a fazer-se sentir nas primeiras páginas de história do desporto português. À semelhança do que se tinha passado com os desportos náuticos, também no futebol a presença britânica é uma constante nos seus primórdios. Alguns anos mais tarde, em 1882, a população de Lagos assiste a um jogo de futebol disputado entre as tripulações de dois navios ingleses que estavam atracados nesta cidade algarvia. Em 1886 os irmãos Pinto Basto – Guilherme, Eduardo e Frederico – membros duma abastada família lisboeta, com negócios no ramo da navegação, ao regressarem dos seus estudos em Inglaterra trazem consigo aquela que terá sido a primeira bola de futebol vista em Lisboa, e cedo despertam junto dos seus amigos o gosto pelo “jogo da bola”, que se disputava regularmente nas quintas do Bonjardim e da Fronteira situadas na zona de Belas. No entanto, em Outubro de 1888 os irmãos Pinto Basto juntamente com os seus companheiros resolvem fazer uma apresentação do futebol à sociedade lisboeta, e para isso promovem um ensaio em Cascais, nos terrenos da Parada junto à Cidadela. Esta demonstração terá tido algum sucesso, o que levou a que a 22 de Janeiro de 1889 se organizasse um jogo, com um cariz mais sério e formal, entre duas equipas, uma de portugueses e outra de ingleses, vindo estes últimos da Casa Graham e do Cabo Submarino de Carcavelos. A partida disputou-se em Lisboa, no Campo Pequeno, nuns terrenos onde actualmente está situada a praça de touros, e terminou com a vitória da equipa portuguesa por 2-1. Ainda neste ano o Real Ginásio Clube Português abre uma secção de futebol para que os seus associados pudessem praticar esta modalidade que começava a despontar em Portugal. Com o “Ultimatum” inglês de 1890 tudo o que representasse a Inglaterra era visto com maus olhos pela sociedade portuguesa, no entanto, o futebol, apesar da sua origem inglesa, conseguiu de certa forma passar imune a esta onda anti-britânica, e é precisamente nos primeiros anos da década de 90 que assistimos, nas duas principais cidades do país, Lisboa e Porto, ao surgimento dos primeiros clubes e grupos dedicados ao futebol:, logo em 1890 forma-se o Club Lisbonense, primeiro clube exclusivamente dedicado ao futebol; em 1893, só em Lisboa, são fundados cinco clubes, o Estrela Football Club, o Club Braço de Prata, o Clube Tauromáquico, o Football Club Esperança e os 40 da Era, enquanto que no Porto surgem o Oporto Cricket Club e o F. C. do Porto; entre 1895 e 1896 surgem, também na capital portuguesa, o Académico Futebol Club, o Futebol Clube Alcantarense e o Campo de Ourique; enquanto que em 1898 assistimos ao alastrar do entusiasmo pelo futebol a outras cidades do país, e em Viana do Castelo é fundado o Sport Clube Vianense. Em 1894 é o próprio rei D. Carlos que patrocina a primeira taça disputada em Portugal, a Taça d´el Rei, disputada no dia 2 de Março por uma equipa de Lisboa e por outra do Porto, inserida nas comemorações do V centenário do nascimento do Infante D. Henrique, e que terminou com a vitória dos lisboetas por 2-0. De referir que muitos destes grupos e clubes de futebol tiveram vida breve, não chegando, a maioria, ao início do século XX (3). É precisamente neste século, ultrapassada esta primeira fase oitocentista, onde o amadorismo era o principal condimento, que o futebol português, e o desporto em geral, aliado ao fenómeno do associativismo, inicia uma longa caminhada de vitórias e de derrotas, de alegrias e de tristezas, mas caminhando sempre em direcção ao coração dos portugueses, que têm nos desportistas portugueses um dos seus principais motivos de orgulho, ou não fosse Portugal o berço de campeões olímpicos como Carlos Lopes e Rosa Mota, ou a pátria duma figura mundialmente famosa, como é Eusébio da Silva Ferreira.

1 – Cf. SIMÕES, António; SERPA, Homero – Glória e Vida de Três Gigantes, ed. jornal A Bola, 1995, (págs. V-VII).

2 – Cf. Portugal Contemporâneo, dir. António Reis, Volume I, ed. Publicações Alfa, 1996, (pág. 772).

3 – Cf. COELHO, João Nuno; PINHEIRO, Francisco – A Paixão do Povo – História do Futebol em Portugal, ed. Afrontamento, 2002, (pags. 49-60).