Sunday, January 10, 2010

Breve biografia de Mariategui

José Carlos Mariategui nasce a 14 de Junho de 1894 em Moquegua, cidade costeira situada no sul do Peru. Filho de Francisco Javier Mariategui, funcionário público em Lima, capital do Peru, e de Maria Amalia La Chira Ballejos, uma mestiça das terras altas do Peru, filha de pequenos agricultores.
A infância de Mariategui não terá sido fácil, tendo em conta que o pai abandonou a família quando era ainda uma criança, o que levou a mãe de Mariategui a ter de deslocar-se, juntamente com a família, primeiro para Lima, e depois para Huacho, cidade situada a norte da capital peruana, onde passou por algumas dificuldades para poder criar os filhos (Mariategui tinha mais dois irmãos, Julio Cesar e Guillermina). O pai de Mariategui viria a morrer em 1907, quando este contava com 13 anos de idade. No entanto, e apesar das dificuldades, a mãe de Mariategui conseguiu encaminhá-lo para a escola de Huacho, onde terá sofrido um acidente em 1902, quanto tinha 8 anos, que lhe deixou a perna esquerda praticamente inutilizada e que lhe viria a provocar grandes transtornos ao longo da vida e estar inclusive na origem da sua morte prematura. Em 1909, aos 15 anos de idade, começou a trabalhar como linotipista (compositor mecânico de artes gráficas) na redacção do jornal La Prensa, para passados três anos apenas, já ser o autor das colunas mais mundanas do jornal. Por volta de 1914, quando contava com 20 anos de idade, e ainda no La Prensa, Mariategui inicia-se no jornalismo de maior rigor intelectual, passando a assinar artigos sobre arte, reportando as últimas notícias da Grande guerra que assolava a Europa e assinando também entrevistas a personalidades ilustres do Peru, usando sempre o pseudónimo Jean Croniqueur. Data também deste período a feitura de dois contos, usando desta vez o pseudónimo Jack. Até 1917 este labor jornalístico vai crescendo, tanto em quantidade como em profundidade, passa a escrever também para a revista El Turf e começam a surgir as primeiras preocupações sociais. Neste período Mariategui era possuidor de um forte sentimento religioso, uma herança materna e que mais tarde se virá a reflectir na sua leitura particular do marxismo. Ainda por volta de 1917 abandona o jornal onde iniciou a sua actividade profissional e é contratado pelo diário El Tiempo, onde é destacado para cobrir a actividade parlamentar peruana.
Importa aqui fazer um breve contexto da realidade política peruana das primeiras décadas do século XX. A nível político o Peru vivia a consolidação do regime republicano, com a promoção de políticas positivistas que visavam o desenvolvimento do país, não deixando contudo de manifestar uma enorme dependência em relação aos países mais industrializados.
No final da década de 10 Mariategui entra na vida boémia de Lima e começa-se a relacionar com aqueles que viriam a ser os seus grandes amigos e companheiros durante largos anos. Falamos de César Falcón, Abraham Valdelomar, César Vallejo e Félix del Valle, todos eles ligados à vanguarda artística e literária peruana. Juntamente com Abraham Valdelomar, e após uma atribulada experiência num cemitério devido a uma tentativa de exibição artística de uma bailarina naquele espaço e que acabou com a prisão de Mariategui e restantes organizadores daquela “performance”, funda a revista cultural Nuestra Epoca, tentando assim furar o conservadorismo dos sectores culturais peruanos. Data também desta época os primeiros contactos com ideias vindas de fora, sendo de destacar Miguel de Unamuno, Araquistain e Alomar. Logo no primeiro número da revista Mariategui assina um artigo claramente ideológico (deixando definitivamente para trás o uso de pseudónimos) intitulado “El deber del Ejército y el deber del Estado”, onde critica os elevados investimentos financeiros no aparelho militar ao mesmo tempo que largas franjas da população peruana enfrentava grandes carências. Este artigo é um marca uma viragem na sua carreira literária, passando a partir daqui a dedicar-se sobretudo à obra política. Em consequência deste artigo, recebe ameaças por parte dos militares, demite-se do jornal El Tiempo por considerar que não teve, por parte do director do jornal Pedro Ruiz Bravo, o apoio que Mariategui desejava para enfrentar esta situação e funda, juntamente com César Falcón o diário La Razón, isto tudo por volta de 1918. Neste jornal o compromisso ideológico com o socialismo é assumido claramente, e quando Augusto Leguía assume o poder no Peru em 1919 o La Razón é já um dos jornais mais importantes e também mais críticos do governo liderado por Leguía. Esta animosidade em relação ao governo levou a que Mariategui tivesse de abandonar o país, rumo à Europa, juntamente com Falcón. Julga-se que esta saída do país tenha sido negociada com o governo de Leguía, que terá colocado os fundados do La Razón perante duas escolhas: ou a prisão, ou a saída para o estrangeiro. Esta viagem em direcção ao “velho continente” vai ser fundamental para a consolidação do pensamento político de Mariategui. Na Europa passa por vários países, tais como França, Itália (onde se casa com uma cidadã italiana, Ana Chiappe), Áustria e Alemanha. Durante a sua estada em Itália assiste, em Janeiro de 1921, ao histórico congresso de Livorno do Partido Socialista Italiano onde se dá uma cisão que acaba por dar origem ao nascimento do Partido Comunista Italiano. Regressa ao Peru em 1923, começa a dar aulas na Universidade do Povo, escreve vários artigos sobre a situação europeia e começa a elaborar as primeiras teses marxistas sobre a situação social peruana. Passa a contactar com Víctor Raúl Haya de la Torre, líder da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA) e responsável pela edição da revista Claridad. Quando Haya de la Torre é deportado pelo governo de Augusto Leguía, em Outubro de 1923, a direcção da revista é assumida por Mariategui. Em Março de 1924 a revista é totalmente dedicada a Lenine, que tinha falecido dois meses antes. Ainda neste ano Mariategui está às portas da morte devido a problemas relacionados com a sua perna esquerda que tem, inclusive, de ser amputada. Em 1926 funda o jornal Amauta com o intuito de estabelecer um fórum de discussão sobre o socialismo, a arte e a cultura no Peru e em toda a América Latina. Em 1927 é detido e encarcerado no Hospital Militar, sendo depois sujeito a prisão domiciliária. No ano seguinte Mariategui começa a distanciar-se da APRA e funda o Partido Socialista do Peru (em 1930 altera a sua designação para Partido Comunista Peruano) estabelecendo-se como secretário-geral do partido. Ainda em 1928 publica a sua obra mais conhecida, intitulada Siete ensayos de interpretacion de la realidad peruana, onde faz uma análise da situação económica e social do Peru. Esta obra é considerada uma das primeiras análises materialistas de um país latino-americano e dá especial atenção ao problema dos indígenas peruanos, defendendo uma transição para o socialismo no Peru baseada nas tradicionais práticas colectivistas praticadas pelos indígenas. Em 1929 funda a Confederação Geral dos Trabalhadores Peruanos e morre no ano seguinte, a 16 de Abril, devido a complicações relacionadas com o antigo problema que lhe tinha afectado a perna esquerda.

Sunday, January 3, 2010

Breve história da UPA/FNLA

A UPA (União das Populações de Angola) foi fundada em Dezembro de 1958 na cidade de Accra, no Gana, e teve como principais dirigentes, na sua fase inicial, os seguintes nomes: Holden Roberto, Manuel Barros Nekaka, François Dombe, António Malembe, Francisco Lulendo, Martim Sumbu, Rosário da Conceição, Alexandre Tati e João Eduardo Pinock. Pouco tempo depois da sua fundação a UPA transfere-se para Léopoldville, capital do Zaire.
Os primeiros actos políticos da UPA deram-se precisamente em Dezembro de 1958 quando Holden Roberto participou nas Conferências Pan-Africanas e Afro-Asiáticas e na Conferência dos Neutralistas em Belgrado. Em território angolano a acção política da UPA iniciou-se em Outubro de 1959 com uma série de distribuições de panfletos nas regiões de Nóqui, Bembe, São Salvador e Buela. A UPA estendia a sua influência, sobretudo, no norte de Angola junto da etnia backongo, de onde era originário o seu líder Holden Roberto. A nível ideológico a UPA caracterizava-se por um forte sentimento regionalista e por uma certa aversão ao comunismo. Em termos de relações internacionais estas davam-se principalmente com o Zaire e com os Estados Unidos da América (EUA).
A 15 de Março iniciam-se os massacres no norte de Angola, tendo sido de imediato reivindicados pela UPA, o que viria a marcar, de forma negativa, o movimento ao longo dos anos. Após ter recusado uma frente única de combate em conjunto com o MPLA, por Holden Roberto temer uma possível subalternização em relação ao MPLA, a UPA funde-se em Março de 1962 com o Partido Democrático de Angola dando origem à Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). Ainda durante este ano a FNLA proclama o Governo da República de Angola no Exílio (GRAE). O GRAE era liderado por Holden Roberto, que ocupava o cargo de Primeiro-Ministro, no entanto também lá encontrávamos Jonas Savimbi, ao tempo membro da FNLA, cabendo-lhe o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros. Em 1963 o GRAE é reconhecido pela Organização de Unidade Africana (OUA). A FNLA gozou de algum prestígio a nível internacional até 1964 devido à luta armada que desenvolvia de forma relativamente constante no interior de Angola. No entanto, e devido à dependência que o movimento tinha em relação aos EUA, esse prestígio vai-se esbatendo o que provocou a retirada de confiança por parte dos dirigentes africanos e o reconhecimento do MPLA em 1968, por parte da OUA, como o único movimento de libertação legítimo do povo de Angola. Em 1972 as divergências com o MPLA são postas de parte e é constituído pelos dois movimentos o Conselho Supremo de Libertação de Angola, cuja presidência e direcção política era exercida por Holden Roberto, cabendo a Agostinho Neto a vice-presidência e a direcção militar. Mas as diferenças eram muitas e este entendimento nunca chega a efectivar-se. Após o 25 de Abril de 1974 Holden Roberto inicia negociações com as autoridades portuguesas e a 12 de Outubro assina em Kinshasa um acordo de cessar-fogo. Em Janeiro de 1975 a FNLA torna-se signatária dos Acordos de Alvor onde se determina o dia 11 de Novembro do mesmo ano como a data da independência de Angola. No entanto, a partir de Março a FNLA tenta quebrar a posição do MPLA em Luanda e inicia-se um período de conflito militar que perdura, entre estes dois movimentos, até 1976. Durante este período a FNLA passa a ser vista como o principal bastião contra a influência comunista que se registava na nova Angola independente o que implica algum apoio internacional, sobretudo dos EUA, do Zaire e da África do Sul, ao mesmo tempo que contava com o contributo de antigos elementos do exército português e de mercenários estrangeiros. Contudo as forças militares da FNLA falham a entrada em Luanda antes da declaração de independência e as derrotas militares sucedem-se, recuando perante o exército do MPLA e seus aliados cubanos. Em 1980 Holden Roberto assina um acordo entre Mobuto Sese Seko e Agostinho Neto e aceita abdicar da luta armada e a exilar-se em França. Em Agosto de 1992, quando se realizaram as primeiras eleições em Angola, Holden Roberto regressou ao seu país e encabeçou a candidatura da FNLA, quedando-se por um modesto resultado.

Sunday, November 18, 2007

A esquerda de outros tempos

A título de curiosidade, aqui fica a lista dos inúmeros partidos políticos de esquerda que surgiram com o 25 de Abril de 1974, e que com o passar dos anos ou foram extintos ou se fundiram com outros partidos. Alguns destes partidos não se extinguiram totalmente, passando a funcionar como associações políticas.

Movimento Democrático Português/Comissões Democráticas Eleitorais (MDP/CDE) - fundado em 1969

Partido Comunista de Portugal (Marxista-Leninista) (PCP-ML) - fundado em 1970

Liga Comunista Internacionalista (LCI) - fundada em 1973

União Democrática Popular (UDP) - fundada em 1974

Movimento de Esquerda Socialista (MES) - fundado em 1974

Aliança Operária Camponesa (AOC) fundada em 1974

Partido de Unidade Popular (PUP) - fundado em 1974

Frente Socialista Popular (FSP) - fundada em 1974

Frente Eleitoral Comunista - Marxista-Leninista (FEC-ML) - fundada em 1975

Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) - fundado em 1975

Grupos Dinamizadores de Unidade Popular (GDUPs) - fundado em 1976

Organização Comunista Marxista Leninista Portuguesa (OCMLP) - fundada em 1976

Partido Socialista Revolucionário (PSR) - fundado em 1978

União de Esquerda Socialista Democrática (UEDS) - fundada em 1978

Partido Trabalhista (PT) - fundado em 1979

Força de Unidade Popular (FUP) - fundada em 1980

Partido Socialista dos Trabalhadores (PST) - fundado em 1980

Partido Comunista Reconstruido (PCR) - fundado em 1981

Liga Socialista dos Trabalhadores (LST) - fundada em 1983

Frente de Esquerda Revolucionária (FER) - fundada em 1989

Política XXI (PXXI) - fundada em 1994

Fonte: http://www.cne.pt/

Wednesday, July 4, 2007

Partido Nacional Renovador - Breve resenha histórica

No final do ano de 1999 um grupo de simpatizantes da extrema-direita adere ao moribundo Partido Renovador Democrático (PRD) com o intuito de organizar um partido de cariz nacionalista, algo inexistente na época em Portugal. A estratégia consistia na apropriação dum partido já existente e registado no Tribunal Constitucional, na alteração do nome, sigla e símbolo, na subida aos orgãos directivos do partido em questão de membros do grupo, e desta forma nascia no panorama político português um partido nacionalista, algo até aqui inédito, em grande parte devido à dificuldade que os militantes da direita radical tinham sentido em anteriores tentativas na angariação das 5.000 assinaturas necessárias para a formalização dum partido político. A 17 de Março de 2000 entra no Tribunal Constitucional um requerimento por parte do PRD da alteração do seu nome, sigla e símbolo, passando a designar-se por Partido Nacional Renovador, com a sigla PNR, sendo o seu símbolo um facho de cores vermelha, branca e azul. O requerimento era assinado pelo presidente da Comissão Directiva do partido, António da Cruz Rodrigues – que anteriormente tinha formado a Aliança Nacional, organização nacionalista fundada em 1995 que nunca chegou a constituir-se como partido político precisamente por não ter conseguido reunir as 5.000 assinaturas necessárias para esse efeito – e por outros membros da direcção como José David Santos Araújo (presidente da Mesa do Conselho Nacional), Bruno Oliveira Santos (vogal da Comissão Directiva), Eugénio Manuel Campos Godinho e Francisco José Felgueiras Barreto (ambos secretários da Mesa do Conselho Nacional). A 12 de Abril o Tribunal Constitucional aprova o requerimento, e desta forma estava criado o PNR. A controvérsia à volta do PNR começou logo nos primeiros tempos do partido. A 28 de Maio de 2001 o presidente Cruz Rodrigues, por ocasião dum jantar comemorativo do 75º aniversário do golpe de Estado ocorrido em 1926 que impôs a ditadura militar em Portugal, anuncia a intenção do PNR em concorrer às próximas eleições autárquicas marcadas para 16 de Dezembro deste ano. O anúncio provocou a reacção do Bloco de Esquerda (BE), que classificou de “candidaturas fascistas” as intenções do PNR, e apelaram ao Tribunal Constitucional que impedisse a formalização das mesmas. No entanto, o partido avançou com candidaturas nos concelhos de Lisboa e Mafra, acabando por recolher 877 votos, 0,02 % da totalidade dos votos respeitantes ao Distrito de Lisboa, naquela que foi a primeira participação eleitoral do partido. Em virtude do descalabro eleitoral do Partido Socialista (PS) nestas eleições, o Primeiro-Ministro António Guterres apresenta a sua demissão, provocando a queda do governo socialista. O Presidente da República Jorge Sampaio marca novas eleições legislativas para 17 de Março de 2002, às quais o PNR também concorre, recolhendo 4712 votos, 0,09% do total. Durante a campanha eleitoral desta eleição deu-se um acontecimento, marginal à actividade do PNR, que apontou para o ressurgimento dos “skinheads” em Portugal: a 9 de Março um grupo de militantes do BE que se encontrava a colar cartazes na zona de Alcântara, em Lisboa, é atacado por um bando de “skinheads”, acabando por ser esfaqueado um dos militantes bloquistas. O partido só volta a demonstrar sinal de actividade em 2004 com um novo acto eleitoral, as eleições para o Parlamento Europeu realizadas a 13 de Junho, onde obteve 8405 votos, 0,25 % do total nacional, sendo de realçar que obteve o dobro dos votos obtidos nas eleições legislativas de 2002. Contudo, os “skinheads”, que até aqui se tinham mantido numa posição marginal, começam a partir de 2004 a demonstrar sinais de vitalidade e dinamismo, nomeadamente através da organização dum concerto em Loures que contou com presenças internacionais, ao mesmo tempo que se apropriavam da “internet” como meio de difusão de ideais, sendo merecedor de especial destaque o fórum nacional, onde chegou a estar publicada uma lista de “alvos a abater” pelos nacionalistas radicais. Este recrudescimento das actividades dos "skinheads" acabou por ter repercussões no PNR, que passou a contar com um corpo de militantes mais aguerridos e dispostos a fazer também das ruas um espaço de luta política. Desta forma no início de 2005 é organizada em Lisboa uma manifestação contra a entrada da Turquia na União Europeia, encabeçada pela organização Frente Nacional (FN) – onde se inseriam a maior parte dos "skinheads" nacionalistas – e acompanhada pelo PNR. No entanto, a 10 de Junho, precisamente no Dia de Portugal, dá-se um acontecimento que provocou um enorme impacto na opinião pública, em grande parte devido à cobertura mediática: o “arrastão” de Carcavelos. Um grupo de jovens de ascendência africana provoca alguns tumultos na praia de Carcavelos, o que leva a polícia a intervir. A comunicação social chamada ao local fala dum enorme “arrastão” de cerca de 500 jovens negros que provocaram o pânico junto dos banhistas. Ainda neste dia, uma organização nacionalista intitulada Causa Identitária comemora o Dia de Portugal no Largo de Camões, em Lisboa, o que levou um grupo de anarquistas a tentarem atacar os cerca de 50 nacionalistas que se concentravam junto à estátua do poeta Luís de Camões, o que não se concretizou devido à intervenção da PSP. No entanto, a polémica em torno da criminalidade associada às comunidades imigrantes estava lançada, o PNR aproveitou a situação e organizou, juntamente com a FN, aquela que foi considerada como a maior manifestação xenófoba de sempre em Portugal. A 18 de Junho cerca de 300 pessoas juntam-se no Martim Moniz, em Lisboa, e desfilam até ao Rossio, empunhando faixas onde se podiam ler mensagens como "Não existem direitos iguais quando és um alvo por seres branco" e "Imigrantes igual a crime". Pouco tempo depois, a 17 de Setembro, é levada a cabo nova manifestação na capital, desta vez contra o “lobby gay”, sendo novamente organizada em conjunto pelo PNR e pela FN, acabando por reunir cerca de 100 manifestantes, que se concentraram no Parque Eduardo VII. A toda esta dinâmica demonstrada pelo PNR, em grande parte potenciada pela FN, não é alheia a eleição em Junho de 2005 para a presidência do partido de José Pinto Coelho, que nunca negou o apoio dos “skinheads”, apesar da conotação violenta e racista que estes têm.

Tuesday, June 12, 2007

Revisão do artigo relativo ao Movimento de Acção Nacional

Em Junho de 1985 um grupo de jovens residentes na zona da Amadora regista no cartório a Associação Cultural Acção Nacional. Este colectivo tinha como missão a defesa dos valores nacionais, étnicos, culturais, éticos e espirituais, e as formas de concretizar estes objectivos passavam pela edição de um jornal e de livros. Eram estes os objectivos primários da Associação Cultural Acção Nacional. Os seus fundadores foram Vítor Santos, Manuel Andrade, Alexandre Freire, Paulo Sequeira e José Luís Paulo Henriques, que rapidamente se veio a tornar no líder do grupo, cabendo-lhe também a ideia original de fundar a associação. Este grupo de jovens tinha em comum o facto de pertencerem à classe-média baixa, estarem descontentes com o sistema político vigente na época, que consideravam corrupto, e de simpatizarem com ideais conservadores e nacionalistas. O tempo foi passando, e as posições no seio da associação foram-se consolidando, passando José Luís Paulo Henriques a liderar o colectivo, ao mesmo tempo que alguns dos seus fundadores se iam afastando das suas actividades. Este último, também conhecido por “Zé Gato” (alcunha ganha pelas semelhanças futebolísticas que tinha com o antigo guarda-redes benfiquista), não era propriamente um novato em matéria de actividade política, aos 16 anos já liderava a associação de estudantes do Liceu da Amadora e em 1983 já se encontrava à frente da secção que a Juventude Centrista (JC), a organizaçao juvenil do CDS, tinha nesta cidade dos arredores de Lisboa. No entanto, a militância na democracia-cristã não terá sido suficiente para José Luís Paulo Henriques, que se caracterizava por um aguerrido anti-comunismo e por um saudosismo do Estado Novo salazarista, o que o levou a abandonar a presidência da JC da Amadora. Entretanto, a associação passa a designar-se por Movimento de Acção Nacional (MAN), e começa a dar os primeiros sinais de dinamismo. Em 1986 é editado o primeiro orgão de informação do MAN, o jornal Acção, alguns cartazes começam a surgir nas paredes da zona, e os pedidos de adesão e informação começam a chegar em catadupa à sede do movimento, também situada na Amadora. Naquele que foi o seu primeiro jornal podia-se ler que o MAN caracteriza-se por uma Terceira Atitude, que se coloca em oposição ao Capitalismo e Socialismo, sendo o seu lema, explicíto nos cartazes que povoavam as paredes, Nem Capitalismo! Nem Comunismo! Terceira Via! Por Portugal!. Esta atitude de inconformismo e de rebeldia em relação ao sistema político vigente, de recusa do Comunismo que tanta agitação tinha provocado uma década antes, que provocou os saneamentos, as nacionalizações e a ocupação de terras, sendo tudo isto materializado no PREC; de desilusão em relação à Democracia Cristã defendida pelo CDS, que se encontrava numa posição cada vez mais redutora em virtude da ascenção do PSD liderado por Cavaco Silva, que por seu lado representava o Capitalismo, destruidor da identidade nacional e adverso às tradições seculares; levou a que muitos jovens aderissem ao MAN, que se apresentava como uma alternativa revolucionária (1). E terá sido esta sugestão de militância política mais agressiva que levou um grupo de jovens, por volta de 1987, oriundos da zona de Almada e que tinham em comum o gosto pela cultura “skinhead” (surgida em Inglaterra no final dos anos 60 no seio dos bairros operários, adepta da diversão regada com muito álcool e de alguma violência à mistura, por oposição ao “peace and love” da cultura “hippie”, e caracterizada por um vestuário e gostos musicais comuns) a aderir ao movimento. Este grupo de “skinheads” da Margem Sul era liderado por Fernando Pimenta, e começam a incutir um novo espírito no MAN, que passa a adoptar a cruz celta como símbolo, e que se materializa na edição do Combate Branco, publicação dirigida aos militantes mais radicais. A influência do movimento chega ao Norte do país, onde começam a surgir os primeiros militantes, nomeadamente no Porto e em Braga, e onde surge a primeira publicação, intitulada Vento do Norte. Mas ao mesmo tempo que o MAN aumentava a sua influência, também os problemas começavam a surgir em quantidade razoável. A adesão dos “skinheads” veio-se a tornar fatal para o movimento, que começou a ser visto pela sociedade portuguesa como um grupo de “cabeças-rapadas” racistas e violentos. A comunicação social começa a reportar alguns episódios de turbulência na noite lisboeta, nomeadamente no Bairro Alto (2), confrontos com outros grupos de jovens e agressões a indivíduos de origem africana começam a ser habituais, começam a surgir os primeiros símbolos de extrema-direita nos estádios de futebol, frases como Se vires um preto mata-o, Poder Branco ou Portugal aos Portugueses começam a aparecer escritas nas paredes de Lisboa, até que chegamos a 1989, ano que se vem a revelar decisivo na história do MAN, e onde se produzem alguns episódios marcantes, não só pela violência que envolveram, mas também pelo impacto que tiveram. Em Maio deste ano o actor João Grosso é agredido por um grupo de sete “skinheads” em Lisboa, tendo perdido um testículo em resultado das agressões, sendo de referir que João Grosso foi agredido por tentar socorrer um jovem que estava a ser espancado pelo mesmo grupo, e a 28 de Outubro José Carvalho, militante do Partido Socialista Revolucionário, um pequeno partido de orientação trotskista, é esfaqueado mesmo à porta da sede do PSR, na Rua da Palma em Lisboa, vindo a falecer. Tudo terá acontecido quando um grupo de “skinheads” oriundo da Margem Sul forçou a entrada na sede do partido, onde estava a decorrer um concerto inserido numa campanha anti-militarista promovida pelo PSR, os militantes trotskistas tentaram impedir a entrada do grupo, e no meio da confusão e das agressões José Carvalho cai no chão vítima dum golpe fatal na zona do coração. A Polícia Judiciária faz algumas detenções, enquanto que algumas vozes defendem que o crime teve motivações políticas. Pouco tempo depois do assassinato de José Carvalho, a 19 de Novembro, no Porto, um grupo de “skinheads” agride dois cidadãos espanhóis no centro comercial Brasília e espanca Francisco Faustino, indivíduo de nacionalidade angolana, sendo abandonado pelo mesmo grupo, inconsciente, na linha férrea. O MAN começa a ficar com a marca das agressões dos “skins” (3). Já a terminar este ano, talvez o mais atribulado da história do movimento, realiza-se um jantar no Porto a 1 de Dezembro, com o objectivo de aproximar a estrutura dirigente do movimento, que estava estabelecida em Lisboa, dos militantes nortenhos. No entanto, o repasto acaba em confrontos entre os dois grupos, o que simbolizava, de certa forma, a fragilidade e as contradições das bases militantes do MAN (4).

1 – Cf. Jornal Semanário, edição de 18 de Setembro de 1993;

2 – Cf. Jornal Tal & Qual, edição de 21 de Julho de 1989;

3 – Cf. A Extrema-Direita em Portugal, ed. SOS Racismo, 1998;

4 – Cf. VEGAR, José – “Áreas Especialmente Sensíveis” in Serviços Secretos Portugueses – História e Poder da espionagem nacional, ed. A Esfera dos Livros, 2007.

O surgimento da imprensa desportiva em Portugal

Com o advento do fenómeno desportivo em Portugal, alguns dos seus integrantes começaram a sentir necessidade de divulgarem as suas modalidades de eleição e as actividades dos clubes que integravam. E desta forma começaram a surgir jornais que funcionavam como orgão oficiais de determinados clubes. O primeiro a surgir foi O Velocipedista, jornal oficial do Club Velocipedista do Porto, de periodicidade quinzenal e cujo primeiro número saiu a 1 de Março de 1893. O proprietário era F. Lopes & Pimenta, o redactor principal Vidal Oudinot e a redacção estava situada na Rua de D. Pedro, nº 184, na cidade do Porto. Ou seja, podemos considerar que a imprensa desportiva portuguesa nasceu na “cidade invicta. O jornal foi editado durante praticamente dois anos, saindo o último número a 15 de Fevereiro de 1895. Em destaque o editorial da primeira edição, histórica no universo da imprensa desportiva portuguesa:

Avante sim!
O nosso espirito é morto, morto para as luctas e para a vida. É urgentissimo, é necessário que elle se avigore, que se revolte.
Um espirito novo de revoltado é como uma granada que rebenta no campo inimigo. É um clarim que vibra n´um grande descampado, onde um exercito de sibaritas ficasse dormindo, tranquilo, voluptuosamente e que elle, com a sua nota viva, irrequieta, estridula, viesse acordar aquelles espiritos mortos, aniquillados pela inacção.
E não haverá meios em que o espirito e o corpo possam sahir d`esse amollecimento desmoralisador e doente? Há-os e muitos.
A velocipedia, a gymnastica, a natação, etc., tudo isso são uns meios bons para o desenvolvimento physico da nossa organisação estiolada.
De entre tantos que se me affiguram verdadeiramente notaveis, eu ponho em primeiro lugar a velocipedia, pois que, acho-lhe dois motivos poderosissimos: o ser util e o ser agradavel.
A velocipedia em estes ultimos tempos tem-se generalisado espantosamente.
É pena que ainda o nosso meio burguez olhe para a bicycletta como um instrumento mau e desmoralisador. Mas isto são os espiritos velhos, felizmente, e estes mesmos, em breve se irão habituando a olhal-a mais complacentemente, em vista dos beneficios que d´ella advem.
Como exercicio muscular é superiormente notável: musculos das pernas, braços e peito desenvolvem-se espantosamente.
Como applicação medica ao corpo enfermo as curas são immensas e notaveis.
A paralisia parcial, rheumatismo, rachitismo, etc., têm tido tirado do exercicio velocipedico resultados maravilhosos!
Mas para que tudo isto se saiba, se vulgarise, é necessário recorrer à imprensa. É por isso que se fundou o “Velocipedista”.
Apresentamo-nos, pois, perfeitamente organisados, perfeitamente disciplinados, sem a menor ideia de ostentação, mas tambem sem tolas modestias que nos espiritos novos tão mal cabem, convictos do que valemos na empreza a que nos abalançamos.
Seguiremos passo a passo o progresso da velocipedia, demonstrando a pouco e pouco o alto papel que este meio de locomução virá a representar no futuro e mais para diante abriremos secções novas que, pela sua novidade, serão um “clou” palpitante, um verdadeiro acontecimento em o nosso pequeno meio velocipedico.
Contamos já com valiosissimas adhesões que de toda a parte nos chegam.
Essas adhesões e esses incitamentos são já o prenuncio d´uma era esplendorosa, que não vem longe, para a velocipedia em Portugal.
Avante, pois.

Logo no ano seguinte um grupo de associdados do Real Ginásio Clube Português resolve editar um jornal que servisse os interesses do clube e do desporto em geral. Desta forma é fundado o jornal O Sport, cujo primeiro número sai a 22 de Janeiro de 1894. Tinha como director Carlos Xafredo (o tradutor das regras do futebol para a língua portuguesa) e como editor Henrique Pinto do Amaral. Era um jornal que abrangia várias modalidades, conforme se pode comprovar no seu primeiro número, onde são publicados vários artigos dedicados a desportos como a equitação, a caça, a esgrima, a ginástica, o ciclismo, o futebol e os desportos náuticos. Teve uma vida breve, não tendo ultrapassado os quatro números. Apresentamos o editorial da primeira edição:

É com o maior jubilo que apresentamos á conscenciosa apreciação do publico o primeiro numero d´esta publicação, cuja ideia fôra há muito concebida, preoccupando o espirito de alguns enthusiastas pelo “sport”, mas que por uma serie de circumstancias não tinha tido até hoje realisação pratica.
Sem pretenções, como tambem com todo o desassombro e imparcialidade é somente a nossa mira, pôr ao facto do que se passa no mundo do “sport” os nossos amigos e leitores. Comprehendemos quão arriscada e trabalhosa é a tarefa a que nos vamos abalançar; esperamos porém, o vosso bom acolhimento, tanto mais, que é infelizmente tão mingoado no nosso paiz, o numero dos que já comprehendem as vantagens do exercicio physico.
O que mais nos anima a prosseguir, é o ter a consciencia plena, de não nos mover o espirito da ganancia estando animados do mais amplo desinteresse, e visando só, em augmentar o numero dos adeptos pelo desenvolvimento physico, que tão desprezado tem sido no nosso paiz, destoando assim tanto de todos os outros.
Não nos limitaremos somente a tratar dos exercicios ao ar livre, que, bem sabemos não podem ser usados por todos, mas sim trataremos conjunctamente da gymnastica, esgrima, nauticam velocipedia, caça, etc., para o que contamos com a coadjuvação dos nossos amigos.
Como homenagem a todos os individuos que por qualquer forma se distingam em exercicios de “sport”, publicaremos em cada numero um retrato photographico, ou grupos e scenas relativas ao “sport”.
Pedindo de novo a benevolencia do publico, concluiremos por offerecer a todos os “sportsmen” as colunnas do nosso jornal para os assumptos que elle se propõe tratar.

Estava dado o mote para o estabelecimento da imprensa desportiva em Portugal. Logo no ano seguinte, 1895, a Associação dos Atiradores Civis Portugueses (fundada a 16 de Novembro de 1893) resolve editar o seu orgão de informação oficial, intitulado O Tiro Civil, publicação de cariz semanal, cujo primeiro número foi editado a 7 de Março deste ano, e que durou até 1903. Tinha a redacção estabelecida no 1º andar da Rua de São Paulo, nº 216, em Lisboa, e tinha como editor Manuel Augusto Pinto. Destacamos um pequeno excerto do editorial da primeira edição do Tiro Civil:

...somos absoluta e completamente dedicados ao fim especial de darmos noticias e informações, que digam respeito ao tiro, á esgrima, á gymnastica, á caça, conservando-nos estranhos a toda e qualquer politica...

A 22 de Novembro 1896 é publicado em Lisboa o primeiro número do jornal O Velo-Sport, dedicado à divulgação do ciclismo, cujos proprietários eram Ignacio Lima e Carlos Portella, o editor dava pelo nome de Paulo da Fonseca e a redacção ficava situada na Rua do Arco do Bandeira, nº 211. Em destaque o editorial do seu primeiro número:

Ao apresentarmos á luz da publicidade este semanario, sentimo-nos possuidos d´uma profunda incerteza muitissimo justificada, em vista do mau sucesso que tiveram todos os jornaes que nos antecederam, tratando do mesmo assumpto.
É profundamente lamentavel que tendo o sport em geral, e a velocipedia em particular, tomado em Portugal um grande incremento n´estes ultimos tempos, não tenhamos um único jornal que se possa enviar para o estrangeiro, afim de que lá fora se possa ajuizar do estado de adeantamento em que o sport se encontra entre nós, tomando assim o logar que de direito nos pertence.
Indubitavelmente, existem no nosso meio distinctos sportmen, que podem competir com os estrangeiros, e ainda ultimamente o arrojado recordo Madrid-Lisboa, que tanta admiração causou, foi, apesar dos naturaes contratempos, um dos mais brilhantes de que temos memoria.
Appellamos, pois, para todos os cyclistas pedindo-lhes o seu valioso auxilio, tanto material como intellectual, e immenso será o nosso regosijo, se, compenetrando-se dos seus deveres, se levantassem do estado de apathia em que jazem.


A 14 de Janeiro de 1897, em resultado duma cisão ocorrida no jornal atrás citado, surge também em Lisboa o Sport Velo. A sua redacção ficava no Largo do Poço do Borratem, nº 13, o proprietário era J. da Costa Braga e o editor Paulo da Fonseca, que seria um dos dissidentes do Velo-Sport. O editorial do primeiro número, assinado pelo seu proprietário, J. da Costa Braga:

Este periodico não é novo.
A ardente dedicação com que temos trabalhado até aqui por animar o gosto pela velocipedia, patenteando e exaltando, algures, todo o esplendor do nosso bello “sport”, não pode ser-lhe contada como vida, propriamente, mas é, sem duvida, uma preexistencia que, conhecida ella, por si só basta para accentuar o caracter do recemnascido, e garantir a legitimidade dos nossos desejos.
Não queremos o nosso credito por mãos alheias, é o que affirmamos; e a corrente de sympathia, com que fomos acolhidos pelo “cycling” na nossa estreia, impõe-nos o dever de manifestarmos ao sport “Velo” que nem somos ingrato nem abandonaremos o nosso posto, desapparecendo como viemos.
Mantermo-nos pois devotadamente na derrota de propaganda, e na mais attrahente exposição, não só das novidades palpitantes que haja entre nós e no estrangeiro, mas tambem dos assumptos variados de que se pode tratar sobre o “Velo”, é o fim que procuraremos conseguir com geral agrado, acompanhando enthusiasticamente o progressivo desenvolvimento da nossa adorada velocipedia, e concorrendo para elle com quanto em nossas forças caiba.
Boa vontade não nos falta, já o provámos; fica tambem ao vosso dispôr o elemento principal de vida para os periodicos d´esta natureza – a typographia – o vosso auxilio, cyclistas, obterá d´esta fórma com segurança um resultado brilhante, e estamos certos que a rapida evolução d´este semanario poderá em breve reflectir nitidamente o incremento, avultado já, que entre nós tem tomado o cyclismo, trazendo ao nosso bando, mesmo no proximo verão, grosso numero de “propagadores pelo facto”.

Aos individuos, que aproveitando-se do nosso desinteressado trabalho pretendem ainda enxovalhar-nos com um desmentido torpe e porcamente sophismado, respondemos da seguinte forma:
Protestando contra o indigno desmentido dos proprietarios do “Velo Sport” empraso-os a que apresentem no seu periodico, visto eu ter sido “simples” collaborador, quaes eram os redactores, o principal d`entre elles, e tambem quaes os trechos que lhe pertencem.
Confrontando: a nota dos meus originaes assignados, não assignados, e das noticias por mim redigidas, como o farei no “Sport-Velo”.


Para terminar esta enumeração, destacamos também a publicação em Lisboa a 12 de Fevereiro de 1897 do primeiro número do jornal O Sport (não confundir com a publicação afecta ao Real Ginásio Clube Português), dedicado também à divulgação de vários desportos, com a redacção fixa na Rua do Crucifixo, tendo como responsável editorial Arthur dos Santos e como gerente Carlos Vieira d´Almeida.
Contudo, não se pense que o desporto só começou a figurar nas páginas dos jornais portugueses com o surgimento destes títulos enunciados. Jornais como o Diário Ilustrado ou o Jornal do Comércio também noticiaram os principais acontecimentos ocorridos no jovem mundo do desporto português de oitocentos. Por uma questão de cariz histórico, destacamos a notícia daquele que terá sido o primeiro jogo de futebol disputado em Lisboa a 22 de Janeiro de 1889 entre duas equipas, uma de portugueses e a outra com ingleses. A notícia vinha na edição de 23 de Janeiro de 1889 do Jornal do Comércio:

Uma quantidade enorme de pessoas foi hoje ao Campo Pequeno assistir ao desafio entre inglezes e portuguezes, ao” foot ball”. Grande número de carruagens com elegantes senhoras.
O resultado do jogo foi muito lisongeiro para os nossos compatriotas, que conseguiram ganhar a primeira partida, ficando a segunda empatada. Não faltaram os trambulhões e rebolões próprios do jogo, mostrando todos os fortes mancebos que n`elle tomaram parte quão exímios são no “manejo” do pontapé, como disse uma “elegante” que, por casualidade, ficou ao pé de nós.
O dia estava esplendido, mas um poyco ventoso. Quasi toda a gente foi, portanto, findo o “foot ball”, passear no Jardim Zoológico, onde se exhibia, de novo, a persa Mirra, uma rapariga muito gorda, com uma trunfa enorme, compridas barbas e o rosto completamente coberto de pello escuro.
A concorrencia no Jardim era enorme, como poucas vezes alli se vê. Todas as ruas cheias de gente. O buffete foi tomado de assalto, e às duas e meia já não havia sandwiches, sendo preciso que o proprietario mandasse a correr, à baixa, fazer novo fornecimento de salame, presunto, fiambre e pão de forma.Em summa, as duas diversões que hoje attrairam toda Lisboa foram o “foot ball” e o Jardim Zoológico.

Desporto em Portugal no final do século XIX - Os primeiros anos, os primeiros clubes, as primeiras vitórias

O panorama desportivo em Portugal no final do século XIX não era muito animador. A prática desportiva era algo praticamente desconhecido e inacessível para a esmagadora maioria da população, só algumas franjas da burguesia e da aristocracia eram adeptas e praticantes de desporto, e mesmo estas enfrentavam o preconceito dos seus pares sociais. Os sectores mais altos da sociedade portuguesa, conservadores e seguidores da moral e dos bons costumes, ignorantes das vantagens do exercício físico e do desenvolvimento e da implantação que o desporto estava a obter em países como a Inglaterra e a França, censuravam a minoria que insistia na prática desportiva, que procurava os espaços ao ar livre, que fugia do cinzentismo da cidade, que olhava para o desporto como um meio de convivio, para além das vantagens físicas e morais que dele poderiam advir.
O fraco desenvolvimento desportivo que sucedia em Portugal nesta época teria as suas raízes no século XVIII, quando, por motivos aparentemente inexplicáveis, os jogos e as actividades ao ar livre deixaram de fazer parte dos hábitos dos portugueses, o que provocou uma certa degeneração física e moral, conforme nos diz um clérigo deste tempo, o Padre Manuel Bernardes:

As espadas largas degeneraram em cotós, e os capacetes se trocaram em perucas; já o pente em vez de se fincar na barba ensaguentada se finca publicamente na cabeleira, alvejando com polvilhos. Cheiram os homens a mulheres; não a Marte, mas a Vénus. Quem havia de imitar o grande Albuquerque, prendendo a barba no cinto, se já não há novas de cintos; nem de barbas? Quem haveria de sair aos leões em África; se é mais gostoso estar no camarote em Lisboa, gracejando com as farsantes e atirando-lhes já com chiste, já com dobrões? Ou como se haviam adestrar em ambas as selas, andando pelas ruas bamboleando nas seges? Amoleceu-nos a infusão dos costumes estrangeiros, que veneramos, devendo aborrecê-los; e nós, que estamos no fim da terra, ficamos no meio do mar das suas depravações.

Esta degeneração física e moral prolongou-se pelas décadas seguintes, em virtude do desprezo que era dedicado à prática desportiva. Ramalho Ortigão, em 1875, dá-nos um testemunho disso mesmo, nomeadamente dos efeitos que a inactividade física tinha na juventude:

Os vossos filhos, vimo-los no liceu, no dia do primeiro exame, pálidos de concentração e de susto, imóveis, estáticos, com os olhos pasmados na espessura dos seus juízos, lembrando-se um pouco mais das orações que vós rezastes por eles, ó mães, do que das lições que vós lhes destes, ó mestres! Tinhamo-los também visto no Passeio Público, em noites de concerto, dançando ao pé do quiosque, eles fingindo-se grosseiros para se darem o chique dos velhos colegiais, elas sérias e graves, voltando o rosto por cima do ombro para contemplarem, como pequenas senhoras, a cauda hipotética dos seus vestidos. Elas e eles são pálidos, têm gengivas esbranquiçadas, os dentes baços, as pestanas longas, as pálpebras oftálmicas, os cantos da boca levemente feridos, o sorriso triste, os movimentos indecisos e fracos, o olhar quebrado. Precisam de tomar banhos frios, de comer carne ao almoço, de beber uma colher de óleo de fígado de bacalhau todos os dias, de fazer ginástica e de que se lhes corte o cabelo... E quanto à educação do espírito, sabem pouco e mal o que lhes ensinaram, não sabem quase nada o que deviam saber. Pelo que respeita ao corpo, se vêm de um bom colégio, sabe de ginástica o suficiente para fazer deles maus arlequins, mas nunca empregaram a sua força nos exercícios verdadeiramente úteis a um homem. Não estão habituados à fadiga das marchas, não sabem defender-se se os esbofetearem, não sabem nadar, desconhecem os princípios mais rudimentares da higiene... (1)

Também na literatura encontramos um testemunho ilustrativo deste sentimento de decadência física e psicológica que afectava as gerações mais jovens do Portugal oitocentista, conforme encontramos na obra Os Maias de Eça de Queiroz, editada no ano de 1888, e onde Afonso da Maia defende a adopção da tourada como desporto nacional, de forma a incutir na juventude o vigor e a coragem que a arte de lidar o toiro acarreta:

O verdadeiro patriotismo seria, em lugar de corridas, fazer uma boa tourada... Cada raça possui o seu “sport” próprio, e o nosso é o toiro: o toiro com muito sol, ar de dia santo, água fresca e foguetes. A vantagem da tourada é ser uma grande escola de força, de coragem e de destreza. Em Portugal não há instituição que tenha uma importância igual à tourada de curiosos. E acredite numa coisa: é que se nesta triste geração moderna ainda há em Lisboa uns rapazes com certo músculo, a espinha direita, e capazes de dar um bom soco, deve-se isso ao toiro e à tourada dos curiosos... Não temos o “cricket”, nem o “football”, nem o “running”, como os ingleses; não temos a ginástica como ela se faz em França; não temos o serviço obrigatório, que é o que torna o alemão sólido. Não temos nada capaz de dar a um rapaz um bocado de fibra, senão badamecos derreados da espinha a melarem-se pelo Chiado.

No entanto, e apesar da fraca tradição desportiva no Portugal oitocentista, começam a formar-se as primeiras associações ligadas à prática desportiva. Desta forma a 6 de Abril de 1856 surge a Real Associação Naval de Lisboa, no seguimento duma tradição de desportos náuticos, nomeadamente o remo e a vela, que já vinha do reinado de D. Maria II, sendo de referir que esta colectividade desportiva é actualmente a mais antiga da Península Ibérica. No entanto a prática de desportos náuticos não se limitava à capital do país, também no Mondego, ao largo da Figueira da Foz, e no Douro se organizavam regatas, e desta forma em 1876 é fundado o Clube Fluvial Portuense. A implementação dos desportos náuticos em Portugal ficou-se a dever, em grande parte, à comunidade inglesa instalada no nosso país, sendo esta realidade mais evidente na cidade do Porto.
Ainda na década de 70 é fundado em Lisboa outro clube histórico e que também perdurou até aos dias de hoje, o Real Ginásio Clube Português, fundado em 1875 e essencialmente vocacionado para os desportos acrobáticos, sendo de destacar a organização, a cargo deste clube, em 1885 do primeiro concurso nacional de ginástica, e que contou com a participação de várias associações e clubes, tais como os Bombeiros Voluntários, o Asilo Municipal, o Clube Gimnastico de Lisboa e a Casa Pia, instituição que teve também um papel importante na promoção da educação física em Portugal. Toda esta intensa actividade promovida pelo Real Ginásio Clube Português durante as últimas décadas do século XIX culminou naquela que terá sido uma das primeiras vitória internacionais do desporto português, a medalha de ouro ganha por João Possolo em 1893 numa competição de ginástica realizada em Badajoz.
Também o ciclismo teve grande adesão em Portugal nesta época, em 1891 é fundado o Real Clube Velocipédico de Portugal, logo seguido pelo Real Velo Clube do Porto, fundado pouco tempo depois. Em 1896 é inaugurado em Algés o primeiro velódromo português, solenemente baptizado “D. Carlos”, no ano seguinte é a vez da Póvoa de Varzim e do Porto inaugurarem os seus velódromos. Contudo, e no que diz respeito à “velocipedia” (termo usado na época para designar o ciclismo), é obrigatório realçar o nome de José Bento Pessoa, ciclista profissional na equipa francesa do Phoebus desde 1898, vencedor de inúmeras corridas em países como Espanha, Itália, França e Brasil, e recordista mundial dos 500 metros em pista, recorde batido em 1899 no velódromo de Chamartin, em Madrid, tornando-se desta forma no primeiro recordista mundial do desporto português (2).
Em relação à modalidade “rainha” do actual panorama desportivo português, aquela que mais paixões desperta, o futebol, é também neste período que encontramos o seu momento de fundação. A primeira vez que se terá praticado futebol em Portugal terá sido em 1875, por iniciativa do cidadão inglês Harry Hilton, que reuniu um grupo de amigos no campo da Achada, junto à localidade da Camacha na ilha da Madeira, para disputarem um “jogo da bola”, facto ainda hoje recordado por uma placa evocativa presente no local. Esta iniciativa não terá tido seguimento pois, segundo rezam as crónicas, a bola usada nesta partida terá ficado completamente desfeita. Ou seja, teremos de considerar a ilha da Madeira como o berço do futebol em Portugal, e mais uma vez a influência inglesa a fazer-se sentir nas primeiras páginas de história do desporto português. À semelhança do que se tinha passado com os desportos náuticos, também no futebol a presença britânica é uma constante nos seus primórdios. Alguns anos mais tarde, em 1882, a população de Lagos assiste a um jogo de futebol disputado entre as tripulações de dois navios ingleses que estavam atracados nesta cidade algarvia. Em 1886 os irmãos Pinto Basto – Guilherme, Eduardo e Frederico – membros duma abastada família lisboeta, com negócios no ramo da navegação, ao regressarem dos seus estudos em Inglaterra trazem consigo aquela que terá sido a primeira bola de futebol vista em Lisboa, e cedo despertam junto dos seus amigos o gosto pelo “jogo da bola”, que se disputava regularmente nas quintas do Bonjardim e da Fronteira situadas na zona de Belas. No entanto, em Outubro de 1888 os irmãos Pinto Basto juntamente com os seus companheiros resolvem fazer uma apresentação do futebol à sociedade lisboeta, e para isso promovem um ensaio em Cascais, nos terrenos da Parada junto à Cidadela. Esta demonstração terá tido algum sucesso, o que levou a que a 22 de Janeiro de 1889 se organizasse um jogo, com um cariz mais sério e formal, entre duas equipas, uma de portugueses e outra de ingleses, vindo estes últimos da Casa Graham e do Cabo Submarino de Carcavelos. A partida disputou-se em Lisboa, no Campo Pequeno, nuns terrenos onde actualmente está situada a praça de touros, e terminou com a vitória da equipa portuguesa por 2-1. Ainda neste ano o Real Ginásio Clube Português abre uma secção de futebol para que os seus associados pudessem praticar esta modalidade que começava a despontar em Portugal. Com o “Ultimatum” inglês de 1890 tudo o que representasse a Inglaterra era visto com maus olhos pela sociedade portuguesa, no entanto, o futebol, apesar da sua origem inglesa, conseguiu de certa forma passar imune a esta onda anti-britânica, e é precisamente nos primeiros anos da década de 90 que assistimos, nas duas principais cidades do país, Lisboa e Porto, ao surgimento dos primeiros clubes e grupos dedicados ao futebol:, logo em 1890 forma-se o Club Lisbonense, primeiro clube exclusivamente dedicado ao futebol; em 1893, só em Lisboa, são fundados cinco clubes, o Estrela Football Club, o Club Braço de Prata, o Clube Tauromáquico, o Football Club Esperança e os 40 da Era, enquanto que no Porto surgem o Oporto Cricket Club e o F. C. do Porto; entre 1895 e 1896 surgem, também na capital portuguesa, o Académico Futebol Club, o Futebol Clube Alcantarense e o Campo de Ourique; enquanto que em 1898 assistimos ao alastrar do entusiasmo pelo futebol a outras cidades do país, e em Viana do Castelo é fundado o Sport Clube Vianense. Em 1894 é o próprio rei D. Carlos que patrocina a primeira taça disputada em Portugal, a Taça d´el Rei, disputada no dia 2 de Março por uma equipa de Lisboa e por outra do Porto, inserida nas comemorações do V centenário do nascimento do Infante D. Henrique, e que terminou com a vitória dos lisboetas por 2-0. De referir que muitos destes grupos e clubes de futebol tiveram vida breve, não chegando, a maioria, ao início do século XX (3). É precisamente neste século, ultrapassada esta primeira fase oitocentista, onde o amadorismo era o principal condimento, que o futebol português, e o desporto em geral, aliado ao fenómeno do associativismo, inicia uma longa caminhada de vitórias e de derrotas, de alegrias e de tristezas, mas caminhando sempre em direcção ao coração dos portugueses, que têm nos desportistas portugueses um dos seus principais motivos de orgulho, ou não fosse Portugal o berço de campeões olímpicos como Carlos Lopes e Rosa Mota, ou a pátria duma figura mundialmente famosa, como é Eusébio da Silva Ferreira.

1 – Cf. SIMÕES, António; SERPA, Homero – Glória e Vida de Três Gigantes, ed. jornal A Bola, 1995, (págs. V-VII).

2 – Cf. Portugal Contemporâneo, dir. António Reis, Volume I, ed. Publicações Alfa, 1996, (pág. 772).

3 – Cf. COELHO, João Nuno; PINHEIRO, Francisco – A Paixão do Povo – História do Futebol em Portugal, ed. Afrontamento, 2002, (pags. 49-60).